O «tontinho» da aldeia
«Eu sou a T., tenho x anos, e sou professora do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Neste momento fui “encostada” e espero substituir alguém por aí numa qualquer escola. Vicissitudes e “ossos do ofício”, diriam alguns. Eu acho que é terrorismo político da parte desta casta de gente no poder. Adiante. Vivo numa zona do interior rural e conheço o R. desde pequeno. De ouvir falar nele, e de o ver aí pela rua a brincar, completamente alienado. Sabe como é, aldeia pequena, toda a gente fala no “anormal”. Na escola, a professora só “alcança” que ele é problemático e que tem comportamentos anti-sociais. Convenci a mãe dele, mãe solteira (o pai abandonou-a aquando da gravidez e quase a matou com pancada para a fazer abortar), a trazer-mo cá a casa com a desculpa de o ajudar com os trabalhos de casa. A “coisa” pegou. O que eu queria era conhecê-lo de perto, pois há anos que aquilo me dava a volta à cabeça. Intui logo que se tratava de qualquer coisa do espectro autista mas não sou médica. Convenci a mãe e levei-o ao psicólogo. A professora «assobiou para o lado» e nunca, em todos estes anos de escola, tentou levá-lo a uma ajuda especializada. A psicóloga diagnosticou Asperger e com todos os riscos que qualquer diagnóstico tem, eu creio que assim o é. A mãe não conceptualiza, sequer, o problema que R. tem. E eu não posso fazer, não sei fazer mais do que isto. Agora estou a tentar que uma IPSS, que tem lá um psicólogo, nos possa ajudar. Porque a mãe não tem recursos financeiros. Ultimamente, o comportamento dele está mais instável, mais sensível e violento na escola. Aqui comigo não... Faz-me lembrar barro por moldar. Desculpe-me a comparação estapafúrdia. Eu não sinto vocação para o grande grupo e sempre que tenho dado aulas me atraem os alunos com NEE (Necessidades Educativas Especiais). É este o trabalho que quero fazer. A especialização: há anos que tento, mas os psicólogos, os professores com mais anos de serviço, têm prioridade. Desta vez vou tentar em Espanha, que é relativamente perto para mim».
Esta é uma história real que foi recebida no correio do Planeta Asperger. Os nomes e outras referências foram deliberadamente omitidos. O título é meu e pretende deliberadamente chocar e «mexer» com quem lê. A carta possui – a meu ver – várias qualidades. Por um lado, avalia, com uma objectividade lúcida, a situação de um jovem asperger numa aldeia rural portuguesa e, por outro, revela uma grande intuição e sensibilidade, a que se alia uma igualmente grande generosidade e sentido de dádiva, por parte de uma professora. Ela comporta também dois pedidos de ajuda: o de uma criança asperger num meio pequeno e o de uma jovem professora que a quer desesperadamente ajudar. Penso que todas as dicas e propostas concretas serão certamente bem acolhidas por esta professora…
Fica aqui também expressa a minha admiração por T.
Apesar tudo e com exemplos como este, temos certamente razões para acreditar…
Esta é uma história real que foi recebida no correio do Planeta Asperger. Os nomes e outras referências foram deliberadamente omitidos. O título é meu e pretende deliberadamente chocar e «mexer» com quem lê. A carta possui – a meu ver – várias qualidades. Por um lado, avalia, com uma objectividade lúcida, a situação de um jovem asperger numa aldeia rural portuguesa e, por outro, revela uma grande intuição e sensibilidade, a que se alia uma igualmente grande generosidade e sentido de dádiva, por parte de uma professora. Ela comporta também dois pedidos de ajuda: o de uma criança asperger num meio pequeno e o de uma jovem professora que a quer desesperadamente ajudar. Penso que todas as dicas e propostas concretas serão certamente bem acolhidas por esta professora…
Fica aqui também expressa a minha admiração por T.
Apesar tudo e com exemplos como este, temos certamente razões para acreditar…
3 Comentário(s):
Diálogo 1:UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIO
Área de Projecto – No quadro, um grande mapa conceptual com a palavra projecto e setas de e para o conceito, que eles e elas vão acrescentando; o primeiro foi: trabalho de grupo. Excelente! Palmas para o Francisco. Na terceira fila e só, 1,30m de poucas falas e 10 anos de muito mau feitio, José (chamemos-lhe assim) está alheado do que se passa à sua volta e lê atentamente um livro. Aproximo-me: o que estás a ler? Mal me olha: "Os biomas": explica-me todos os símbolos da sua distribuição geográfica, num vocabulário preciso e rigoroso. Ah! A tundra do Árctico, pois, digo eu … José, já pensaste na cor predominante dos animais da tundra? Sem hesitação perante o advérbio propositadamente “difícil", devolve: é o branco – e explica porquê. E... José: já notaste na diferença no pêlo, em comparação com os animais da savana? Explica-me: "É mais comprido (...) por causa do frio! Mas olha que o urso te apanha...", acrescenta com ar ameaçador…
Há-de aprender Inglês, nem que eu tenha que “I’m Bear: Teddy Bear.”
Diálogo 2: Plano de evacuação
Já me olha nos olhos porque já tem curiosidade em saber no que me vai passar pela cabeça dizer-lhe. Surpreende-se com os meus jogos de palavras e esboça um sorriso divertido. Já me olha de forma menos sisuda. Saio da sala de professores e encontro-o no hall do Bloco Administrativo a observar atentamente a planta de evacuação em caso de fogo, o pescoço muito esticado para cima. Olha atentamente para vários pontos.
Então, não estás na aula? Não, a professora de Ciências faltou e o Ronaldo (chamemos-lhe assim) anda sempre a bater-me. Um caso para averiguar, penso... - depois.
Então, onde é que nós estamos nesta planta? Aqui: estica o dedo com um movimento rápido e preciso. E estes sinais aqui são os extintores - acrescenta. Estão ali, ali, ali e ali. Localiza-os nas várias paredes. Mmmm (aguardo mais novidades…) Mas falta aqui aquela boca-de-incêndio, acrescenta. Há anos que estou nesta escola e nunca tinha reparado na boca-de-incêndio da parede frontal ao cimo do primeiro lanço de escadas. Não está?!? Consulto a planta e confirmo a omissão. As saídas estão aqui e aqui - aponta na planta. Então, por onde é que temos de sair? Pergunto. Por ali e por ali. Estende o braço esquerdo para Sul e o direito para Ocidente. 10 anos e 1,30m de muito mau feitio? Até pode ser, mas é uma criança fascinante.
E espero que a estes diálogos se sigam mais :-)
Todos nos revimos um pouco neles... Obrigado.
Enviar um comentário
<< Home