O Alfredo
Na minha infância e na minha adolescência, a net não existia, as playstation também não. A televisão resumia-se a dois canais, sobretudo à noite. No resto do dia quase não existia televisão. Havia a telescola ao almoço. A mira técnica abria algum tempo antes da emissão começar. As emissões começavam ao fim da tarde e acabavam cedo. Os filmes eram mais do que antigos. A socialização das crianças e dos jovens fazia-se na rua, nos jardins, nos salões de jogos, no cinema e já nos anos 80 nos pubs e discotecas que então começavam a aparecer. Passei grande parte dos tempos livres da minha infância e da minha adolescência nos jardins, sobretudo no Jardim da Estrela e no Jardim da Parada, em Lisboa. Quem tenha mais de 35 anos e tenha vivido essa época e conhecido o Jardim da Estrela decerto se lembra do Alfredo. O Alfredo era, à época, finais da década de 70 e início da década de 80, um homem talvez de uns 45 ou 50 anos. O Alfredo passeava por todo o jardim com uma espécie de microfone radiofónico ao pescoço, fazendo relatos de futebol, completamente alheado de tudo e de todos, debitando nomes de futebolistas, jogadas e golos imaginários. Era, porém, tolerado e aceite por todos. Era alguém que fazia parte do jardim. Lembro-me tão bem dele, mas tão bem! Tenho vivíssima essa memória. Penso, hoje, que era alguém que teria alguma perturbação do espectro do autismo. Na altura não pensava nada. Mas estaria decerto longe de pensar que iria ter um filho com uma perturbação deste tipo e com igual obsessão pelo futebol.
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Etiquetas: Áreas fortes, Linguagem
8 Comentário(s):
Havia na escola secundaria onde andei, um colega que era o " Beethoven " ( nem me lembro do verdadeiro nome), era inteligente mas não tinha amigos, andava sempre sozinho a cantar no patio da escola, muito desconcertado a andar os oculos sempre tortos , enfim uma figura que nunca me vou esquecer, eu e ex-colegas com quem continuo a falar. Quem me diria a mim, que hoje sou eu quem tenho um "Cartoon filho ".Tudo na vida dele está associado a um cartoon.
As obsessões, como característa destes jovens, podem ser tidas como adoração, teimosia ou alheamento. A obsessão que o meu filho tem por publicidade, princialmente da TV, é interminável. Desde bebezinho que é fascinado por anúncios. Dou por ele a preferir ver publicidade, mesmo que seja em canais estrangeiros de linguas incompreensiveis, do que a assistir a um filme de comédia que tanto gosta. Outra são os automóveis, um fascínio, colecciona tudo o que pode, compra revistas da especialidade e desde muito pequenino que nomea os emblemas das marcas como se fossem letras. Mas à uma que nos preocupa bastante e é o facto de ele não gostar de estudar. O factor da obrigatoriedade para ele é uma confusão e não lhe merece nenhum tipo de preocupação, é um "deixar andar" permanente. Não liga, não se importa, mesmo sabendo que terá reflexos negativos. Mas nós não desistimos, também temos a nossa dose de obsessão e, com a nossa paciência e persistência (tantas vezes vai o cantaro à fonte) ele vai acompanhando o barco.
Cara Dulce
Creio que todos nos cruzámos num determinado momento das nossas vidas com pessoas diferentes. Foi essa evocação que eu e agora v. aqui trouxemos... Este «post» e os seus comentários são tb um tributo a isso. Obrigado.
Caro Paulo
Cá por casa e no período em que o meu filho ainda estudava, ele era extremamente responsável e preocupado. Nem sempre atingia, mas esforçava-se...
O que conta dos anúncios trouxe-me à memória um episódio da infância do meu filho. Uma vez comprámos-lhe um brinquedo espectacular e ele tirou-o e ficou a brincar com a caixa que fechava a abria encantado... Tb me lembro bem daquele olhar fascinado pela caixa e do brinquedo abandonado ao lado...
As obcessões do meu filho variam ao longo do tempo, iniciando uma nova obcessão e descartando completamente a anterior.
Eis algumas que foi tendo a longo do tempo:
- TeleTubbies
- Filmes da Disney
- Memorizar o nome completo e data de nascimento de todos os alunos da turma bem como de toda a sua numerosa familia
- Marcas de carros
- Nomes de jogadores de Futeball
- Sitio do Pica Pau Amarelo
- Rua Sésamo
Curioso é o facto de estas fixações serem comuns noutras crianças asperger
Quanto aos brinquedos, não gosta de comprar ou receber e não gosta de surpresas
Miguel Melo
Tenho de voltar a comentar este post...por causa da embalagens dos brinquedos e outras. Para o meu filho é tão importante o conteudo como a embalagem. O quarto dele parece uma loja com tudo exposto, a ultima novidade é : vem ao computador, vai ao Google e procura o DVD que não tem mas queria ter, faz um print da capa e recorta, e vai coloca-lo ao lado dos outros já expostos, mas depois há um grande problema , a folha de papel não se segura em pé. Acho curioso o post do anonimo que tem um filho com os mesmo interesses do meu, começou nos TeleTubbies, passou para Disney, Rua Sesamo. O meu a seguir passou para o Cartoon Network e agora acrescentou Pato Donald, Michey, os sobrinhos, enfim bonecos do meu tempo.Acho também curioso o facto do meu filho quando muda de interesse não consegue " voltar a trás " ou seja não consegue por exemplo ver a Branca de Neve. São emoções dificeis para ele.
Relativamente ao "post", e olhando para trás, recordo-me de um ou dois casos de pessoas que conheci no meu percurso escolar e que poderiam ser integradas no espectro do autismo. Também acho que já trabalhei com pessoas com características semelhantes. Mas o que mais venho pensando, ultimamente, é que reconheço traços em familiares próximos, embora todos "funcionem": a minha filha será talvez o caso "severo".
Quanto às obsessões, a minha filha tem, nas últimas semanas, a obsessão de ter uma pedrinha na mão enquanto andamos a passear. Escolhe a pedra de acordo com o tamanho (o mais pequeno possível)e a cor (branca). Escolhida a pedra, o passeio corre às mil maravilhas!
Obrigada pelo "Post", caro Asper :-)
O meu filho também tem as suas obsessões . A mais significativa de todas é a sua paixão pelos animais , que por vezes é sujeita a especificações , os insectos , os dinossauros , os animais extintos .Também já teve a sua obsessão pelo inglês e pelo castelhano . Aos seis anos encontrei-o a conversar em castelhano fluente com uma menina espanhola numa praia . Eu ouvia a voz dele mas não queria acreditar . Também teve a sua paixão pelos pokémons , pelos digimons e quando tinha 2 anos a sua obsessão pela publicidade era tal que conhecia os logotipos de todas as marcas comerciais .Mas o que sempre me intrigou foi um aspecto comum a todas as suas obsessões : a inexistência do ser humano . Nunca desenhava pessoas e as crianças que faziam parte das histórias infantis eram de imediato excluídas . A verdade é que as suas obsessões têm-nos permitido fazer férias em que todos se divertem . Já conhecemos todos os parques de animais existentes em Portugal e quase todos de Espanha .
Cara Brigite
Ainda bem que rentabiliza o interesse particular do seu filho por animais no interesse de toda a família... É um bom exemplo que bem pode ser aproveitado por muitos de nós.
Obrigado
P.S. - O ser humano é tb para o meu filho meramente instrumental...
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