Geração rasca
Neste momento em que vos escrevo, o meu filho, agora com 19 anos, e com Síndrome de Asperger, está num jantar de aniversário de uma colega e – atrevo-me a dizê-lo - amiga do Secundário. Ele abandonou o Secundário há já dois anos, no final do 10.º ano, mas aquela amiga e mais um pequeno grupo, hoje no 12.º, continuam a convidá-lo para algumas festinhas, umas sessões de cinema, uns jantares. No sábado à tarde, essa amiga, a R., apareceu-nos mesmo de supetão aqui em casa, apenas para nos dar a indicação certa do restaurante e para sublinhar, com uma cativante genuinidade, que fazia questão, ela e todos os outros, que o meu filho fosse.
Alguém, em tempos não muito distantes, referindo-se aos jovens de hoje, apodou-os de geração rasca, por não terem causas nem ideais, isto por oposição à mítica geração do Maio de 68 ou a outras quaisquer posteriores, não se sabe bem quais, mas no pensamento de quem cunhou a expressão decerto melhores que as de hoje. Sou por natureza avesso a estes exercícios de um anacrónico revivalismo que são quase sempre um sinal da obsolescência de quem os profere. Não há gerações melhores ou piores, há apenas gerações diferentes. Não procuro também tomar a parte (a R. e o respectivo grupo de amigos) pelo todo e fazer deste exemplo regra geral. Mas não deixo de pensar que os professores que o meu filho teve eram da tal mítica geração do Maio de 68 - na equivalente portuguesa, da geração das lutas académicas - ou das posteriores, das quais vi, genericamente, muito pouca vontade de integrar e muita vontade de excluir. E, dando um passo em frente, abono até o meu próprio exemplo, como exemplar de uma dessas gerações, perante uma situação como a do meu filho. É que sinceramente, se não fosse pai, creio que nunca hostilizaria uma situação similar, e profissionalmente procuraria integrar, mas duvido – e duvido mesmo muito - que tivesse a generosidade e a grandeza de alma para o fazer na minha própria festa de anos.
Sobre a R. e o seu grupo, lídimos exemplares da tal geração rasca, tive mesmo ocasião de dizer à professora de ensino especial do meu filho, à directora de turma e à vice-presidente do Conselho Executivo da escola que o meu filho frequentou, que este grupo de jovens deveria constituir, enquanto fomentadores da integração da diferença, para eles professores, um verdadeiro exemplo. E, como geralmente em situações de não retorno não me empatam as papas na língua, ainda acrescentei, visando um destinatário presente, com correcção e boa educação, mas também com a assertividade e com aquela dose de impertinência que permita abalar as consciências - as que são abaláveis, naturalmente - que se o meu filho beneficiou do ensino ao abrigo do 319 (Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto) haveria alguns professores que, fora daquele pequeno microcosmos que é escola, cá fora, na sociedade, teriam também de beneficiar, para sobreviver, de um equivalente qualquer do 319…
Ora é por tudo isto que eu acho que há boas razões para acreditar na denominada geração rasca. E aqui lanço o repto aos pais de crianças e jovens com SA, aos professores e aos técnicos para não excluírem o insubstituível papel que os pares podem ter na integração dos vossos (nossos) SA… É que esses sentem e apreendem naturalmente a diferença, não a aprendem artificialmente pelas teorias da inclusão e/ou a aceitam forçadamente pela lei e pelos normativos do Ministério da Educação...
Sobre a R. e o seu grupo, lídimos exemplares da tal geração rasca, tive mesmo ocasião de dizer à professora de ensino especial do meu filho, à directora de turma e à vice-presidente do Conselho Executivo da escola que o meu filho frequentou, que este grupo de jovens deveria constituir, enquanto fomentadores da integração da diferença, para eles professores, um verdadeiro exemplo. E, como geralmente em situações de não retorno não me empatam as papas na língua, ainda acrescentei, visando um destinatário presente, com correcção e boa educação, mas também com a assertividade e com aquela dose de impertinência que permita abalar as consciências - as que são abaláveis, naturalmente - que se o meu filho beneficiou do ensino ao abrigo do 319 (Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto) haveria alguns professores que, fora daquele pequeno microcosmos que é escola, cá fora, na sociedade, teriam também de beneficiar, para sobreviver, de um equivalente qualquer do 319…
Ora é por tudo isto que eu acho que há boas razões para acreditar na denominada geração rasca. E aqui lanço o repto aos pais de crianças e jovens com SA, aos professores e aos técnicos para não excluírem o insubstituível papel que os pares podem ter na integração dos vossos (nossos) SA… É que esses sentem e apreendem naturalmente a diferença, não a aprendem artificialmente pelas teorias da inclusão e/ou a aceitam forçadamente pela lei e pelos normativos do Ministério da Educação...
Etiquetas: Amigos, Colegas, Escola, Professores
7 Comentário(s):
Fiquei MUITO CONTENTE ao ler este seu post, pelo seu filho e por si.Porque quêm faz bem aos nossos filhos, faz-nos bem a nós...Estou numa fase bem diferente da sua, o meu filho têm 9 anos, talvez por isso venho sempre ler o seu blog, venho "prever" o meu futuro??!.Concordo totalmente consigo quando fala num 319 para os professores...este ano vivi uma experiência , que dava outro blog.
Um grande bem haja para os ex-colegas do seu filho.
Cara Dulce
Tal como as gerações são todas diferentes, também os nossos percursos com os nossos filhos são sempre diferentes, de onde as coisas consigo não têm necessariamente de ser semelhantes. Aliás, espero sinceramente que não sejam! Além do mais as pessoas vão mudando. Ora, quem sabe se quando o seu filho chegar ao 10.º ano, não virá a ter como professores os ex-colegas do meu filho que irão agora entrar para a Universidade!? Espero que a referência ao 319 dos professores não faça cair sobre nós a corporação dos «profes» :-)
E o que me diz de pôr essa sua experiência em letra de forma para aqui ser publicada?!
E, como diria o Dupond (ou seria o Dupont), direi mesmo mais, «um grande bem-haja para os ex-colegas do meu filho».
Volte sempre
Boa tarde,
É com atenção que tenho vindo a ler os posts do seu blog, bem como os comentários e as discussões que emergem sobre a Síndrome de Asperger e a experiência de cada um dos intervenientes.
Já há muito que dejeso felicitá-lo por este blog pela partilha de experiências e emoções que proporciona tanto a pais como a profissionais.
Hoje decidi fazê-lo também para deixar uma sugestão: o livro
"Born on a Blue Day: Inside the Extraordinary Mind of an Autistic Savant" de Daniel Tammet.
Com os melhores cumprimentos,
I.D.
Boa tarde, caro(a) I.D.
Agradeço-lhe não só as suas simpáticas palavras mas também a sugestão de leitura que aqui nos deixou e que - eu pelo menos - não conhecia.
Volte sempre
No passado dia 21 Abril fiz uma apresentação no Atrium Chaby do meu livro em conjunto com um grupo de jovens de 12º de Área de Projecto da Secundária de Mem Martins que leram o meu livro e fizeram um trabalho fantástico sobre PEA. Disse no meu discurso:
Gostava de começar por salientar uma casualidade que constatei.
Estes quatro jovens da Secundária de Mem Martins, alunos do Professor Luís Martins que fizeram um trabalho sobre o meu livro em área de projecto – e que convidei para o virem apresentarem perante um público que não o da escola – são da mesma idade do meu filho Pedro, nasceram todos em 1989.
São um grupo formidável que fez um trabalho sobre o meu livro, trabalho esse que tanto agradeço ao professor Luís Martins por ter despertado a consciência social nestes jovens, na turma, quem sabe pela Secundária, pelas suas famílias no seu círculo de amigos, como que em efeito de leque... estes 4 jovens, a Joana Mateus, o Hugo Fernandes, a Sara Martins e a Sara Fernandes, jovens da idade do meu filho Pedro, não esqueçamos... são estes os jovens que vêm a ser os futuros decisores do nosso país! Também os futuros decisores das vidas dos nossos filhos diferentes...
Qual geração rasca ou à rasca!!! Estes miúdos são formidáveis!!!
Ana Martins
Tem razão, cara Ana. E embora um trabalho «académico» seja, apesar de tudo, algo um pouco diferente, acho que há boas razões para acreditar nas novas gerações.
Um abraço para si e outro para o Pedro
Ainda bem que o seu filho tem amigos assim. Isso deixa-nos com esperança quanto ao futuro dos nossos ainda pequeninos, de que, no futuro, possam, também eles ser aceites e integrados com os seus pares. Contudo, aquilo que os mais pequenos vêem os pais fazer irá moldar os seus comportamentos futuros e isto para dizer que, este ano, tive uma experiência com os meus filhos um pouco desagradável. De facto, o meu filho mais velho, que agora tem 6 anos, no ano passado era convidado para todas as festas dos amigos do colégio. Este ano, como o irmão, agora com 4 anos e com SA, foi para a sua sala, que é uma sala mista de pré-escolar, apenas foi convidado para uma única festa, isto para não terem de convidar o irmão mais novo. Claro que ele se apercebia dos convites e do facto de não ser convidado, apesar de ser um dos meninos mais popular entre os seus pares, até porque sendo dos mais velhos da sala, os outros o tomam como referência. Foi dificil explicar estas situações, mas lá as fomos ultrapassando, claro que com dor nossa por vermos estas atitudes, até porque o mais novo está muito bem integrado no grupo escolar. Espero que no futuro as coisas melhorem. Um bem haja para todos vós.
Maria Anjos
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