Os pares
Na verdade, em matéria de apoios, as coisas são hoje muito diferentes do que eram há 20 ou há 15 anos atrás. E não são só os institucionais, de que se tem falado muito nos comentários aos posts anteriores. Basta pensarmos, por exemplo, que não havia internet. Vejamos algo tão simples como o que vos descrevo. Aos 4 anos, creio, fomos a uma reunião com a educadora do meu filho que nos traçou um dos quadros mais negros da situação que alguma vez tivemos. A atitude dela não era mal intencionada. Era uma espécie de grito de socorro. Ela tinha aquela criança e não sabia o que fazer com ela. Não tinha ideias sobre as estratégias a desenvolver, nem como solucionar a situação. O psicólogo que dava apoio à escola e que eu ainda hoje apelido de psicólogo-administrativo, porque apenas se circunscrevia à burocracia dos testes psicológicos, também não ajudava. Era um inútil em qualquer matéria de ordem prática. Aplicava os testes e pronto. Diria eu hoje que se pusessem um computador a fazer o trabalho dele não se notava a diferença e saía mais barato. Voltemos, porém, à educadora, que é o que nos interessa, no momento. Ela tinha boa-vontade mas não mais do que isso. E nem sequer percebeu – julgo que não teria essa capacidade de auto-crítica – a triste figura que fez. No fundo, ela, enquanto técnica, estava a perguntar a nós, pais, que não éramos técnicos, o que fazer. Ora se ela não sabia, deveríamos sabê-lo nós?! Os tempos também aqui eram outros. Visto à distância – posso estar, porventura, a ser injusto, por desconhecimento ou ignorância– a ideia com que fico é que, à época, as educadoras se destinavam sobretudo a entreter os meninos antes da escola a sério e estavam preparadas, tal como as escolas, aliás, sobretudo para os meninos-standard. Percebi no momento – não sei bem se percebi, mas pelo menos intui – que teria de fazer qualquer coisa para ultrapassar aquilo. E fui-lhe perguntando, primeiro as áreas em que ele tinha mais dificuldade, descendo depois às tarefas concretas que ele não realizava ou em que era mais deficitário, de modo a que nós em casa pudéssemos complementar o que se fazia no jardim-de-infância. Uma delas era uma tarefa que consistia em formar pares de desenhos relacionados. Por exemplo: «prato» com «chávena». Lembro-me que na altura vim para casa, cortei folhas de papel em quatro e pus-me a desenhar objectos aparentados para depois treinar com ele. Seguramente várias dezenas. Lembro-me que a tarefa foi bem sucedida e que pouco tempo depois, ele já havia interiorizado essa ideia de parentesco entre objectos. Algumas semanas volvidas, a educadora mostrava-se mesmo agradada com os progressos. Ainda há cerca de quatro anos, numa mudança de casa, fui encontrar esses papéis com ar vivido e bastante arcaico que foram, então, para o lixo. Tudo isto para vos dizer o quê! Que não havia sequer a internet onde pudéssemos ir buscar umas imagens, imprimir e cortar. Se calhar, comprar aquilo num kit já feito, existente já aqui ao lado ou no outro lado do mundo! Outros tempos, de facto, até nestas coisas tão simples.
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Etiquetas: Escola, Família, Professores
18 Comentário(s):
Caro Asper,
Sem dúvida que o acesso á informação actualmente devido à internet não tem nada a ver com a situação há 15 ou 20 anos atrás.Parecendo-me por algumas pistas que estaremos mais ou menos na mesma faixa etária(pelos 40's!)certamente que partilhamos a experiência de longos dias na Biblioteca Nacional ou na da Gulbenkian procurando informação sobre algum assunto...No meu caso, lembro-me de quando aos 21 anos tive um diagnóstico de doença incurável e incapacitante ter recorrido aos livos de medicina, na grande maioria em Inglês,de uma amigo que estava a tirar o curso, para chegar á conclusão que o diagnóstico estava errado e de seguida "pegar nas tamanquinhas" e ir a Londres a um médico.Se na altura tivesse internet não teria perdido quase um ano da minha vida "encharcada" em corticóides, quase incapacitada e um ano de faculdade...!Aqui para nós,esta foi uma (houve outras!)das experiências causadoras do meu actual cepticismo relativamente aos médicos.:)
Hoje,posso também dizer que a informação que tenho recolhido na net(já tenho um dossier cheio!)tem sido essencial na minha "formação" como mãe de um aspie e, por isso, acredito que para si e para a Mª Viana tenha sido muito mais difícil.Quanto a melhores e maiores apoios terapêuticos,já tenho muitas dúvidas face ás esperiências recentes.
Cara Mariamartin
Esperava eu passar incólume neste blogue em relação à minha idade e Vexa avança logo sem piedade com essa dos 40... ;-)
Tem razão quanto à BN e à Gulbenkian. Aliás, na mesma linha, enchi a casa de enciclopédias que pensava que eram para todo o sempre e de uso quase diário e agora recorro 10 vezes à net e uma às enciclopédias em papel...
Quanto aos médicos, além do meu filho, acompanhei o percurso complexo do meu pai, entretanto falecido, e posso dizer-lhe que tenho tb algumas histórias para contar. E mesmo em relação a mim, já há uma ou outra! Pessoalmente, mais que o erro, o que mais critico é a atitude e a arrogância.
Sobre os apoios, creio que os técnicos tb estão a fazer o seu próprio percurso relativamente à forma de intervir na área da SA. Creio que as coisas só podem mesmo melhorar...
Caro asper,
Antes de mais espero que o asper, e demais pais, tenham tido umas belíssimas férias junto com as respectivas famílias e/ou amigos. Por cá infelizmente já terminaram.
De facto, actualmente os pais têm o acesso à informação e aos meios muito mais facilitado. Hoje podemo-nos dar ao luxo de duvidar da palavra do médico, podemos avançar com “diagnósticos caseiros”, muitas vezes posteriormente confirmados, face à informação disponível, por exemplo, na Internet. O “material didáctico” também se consegue encontrar sem dificuldade. Antes das férias dirigi-me a uma papelaria no sentido de comprar umas Revistas de Actividades para que o meu filho de 5 anos se entretivesse nas férias. Foi só escolher. Havia blocos de actividades para todas as idades e níveis de ensino. Comprei duas para 5-6 anos. Entre as várias actividades, estava a de fazer corresponder o par, contar, somar, colorir segundo o código de cores, unir os pontos numerados, recortar e montar puzzles, descobrir o caminho certo, etc. Curiosa é a forma como encara aquelas revistas. Não como um passatempo para se distrair, mas como algo muito sério que tem de ser concluído o mais rápido possível. Se não interferir, resolve-as como que a contra-relógio, bem e sem dificuldade, desde a primeira até à última página. Noto apenas alguma falta de paciência no colorir. Mas apesar das facilidades, porém, há sempre dificuldades. Neste momento, por exemplo, tento ajudá-lo a fazer, e principalmente a manter, os seus amiguinhos.
Cordiais cumprimentos.
Cara Mrs Noris
As minhas (a segunda tranche) tb estão a acabar :-( e foram boas. Sobre o que me diz do seu filho, fez-me recordar a velocidade e o escrúpulo com que o meu preenchia as «Sopas de Letras», passatempo que sempre foi muito do seu agrado.
Um abraço
Ooops!
Peço dewsculpa pela indiscrição da faixa etária...mas 'tá dito!
Benvinda Mrs.Norris das merecidas férias.Achei graça ao comentário da "Sopa de Letras" que a minha mãe faz compulsivamente por conselho do médico para "manter a mente activa" e que o seu neto aspie acompanha com o mesmo entusiasmo e corrigindo os erros dela como se de uma menina da idade dele se tratasse!Na verdade, muitos momentos,tal como esses, destas nossas férias com avós e netos nos tranportaram, a mim e ao meu marido, para reais "episódios" do "Twilight Zone"!Nós estamos mais na fase de explicar "a reprodução" dos animais e das plantas e das nossas explicações recebemos respostas do género "Ah, então as abelhas fazem sexo com as flores"! :)...?Tá tudo dito...!
Cara Mariamartin
Ele que aproveite a avó, a avó que o aproveite a ele e vocês aproveitem-nos a ambos. E aproveitem esses momentos «twilight zone» :-) Sobre a idade, pois o que se há-de fazer!? O caso é que carrego em mim este fardo de já estar nos «entas», dos quais, segundo um bom amigo, «só se passa com um bambúrrio de sorte»… :-)
Obrigada cara Mariamartin.
Caro asper, infelizmente as férias sabem sempre a pouco. Menos mal que foram boas. As minhas também foram. Já estou a pensar nas próximas. E se lhe serve de consolo quanto à idade, e também porque é preciso brincarmos um pouco, acredite que, num homem, não há melhor idade que os quarenta. Se duvida, sugiro que faça um inquérito à classe feminina :)
Caríssima Mrs Noris
Se o diz, não carece fazer-se mais averiguações! E eu que pensava estar a ficar «passado», constato afinal que se calhar passei de um vulgar «ruby» a um bom «vintage». E já sabemos que os bons «vintage» envelhecem sempre bem... ;-)
Um abraço agradecido pelas suas reconfortantes palavras que, estou em crer, são assim sentidas por toda a «classe masculina» :-)))
olá caro Asper!
E demais "quarentões", e não só.
Os " entas " tem outro encanto o conhecimento e a aproximação do esquecimento. Mas talvez seja o apogeu das nossas vidas.
Este post reporta-me há 20 anos atrás , quando o meu filho então com 2 anos encaixava as peças dos puzzles rápidamente, e aqueles cubos que tb formavam puzzles, enquanto nós procuravamos os pares, ele já os tinha descoberto e colocado nos sítios certos.
Era um orgulho ver a facilidade com que executava essas tarefas apenas com 2 anos.
Mas rapidamente se fartava, a memória visual e auditiva funcionava a 200%.
Era espantoso como reconhecia os logotipos dos carros e manuseava com destreza os jogos do "sepectrum".
No período dos 2 aos 4 anos era um géniozinho.
Ainda hoje em dia tem muitos conhecimentos em aréas variadas.
Mas não os consegue usar no espaço e tempo certos.
cumprimentos a todos
Maria Viana
olá a todos,
Ao ler os últimos comentários, verifiquei que os "entas", já têm filhos crescidos. Eu, que me estou a aproximar (39), ainda tenho filhos pequenos (6 e 4 anos), sendo que o mais novo é o que tem SA. Assim, não pude deixar de pensar que, quando o meu tiver 20 anos, eu vou ter 55 e, com a perspectiva das caracteristicas de SA se acentuarem, como se verificou com os vossos filhos, espero, nessa altura, ainda estar em forma para lidar com um jovem adulto, com o problemas inerentes à perturbação. É mais um dos problemas de, hoje em dia, se ir adiando a maternidade!
Quanto à questão em concreto do post, de facto hoje em dia temos um manancial de recursos, que nem consigo imaginar como terá sido há uns anos atrás.
No meu caso, adquiri todo o material que me iam sugerindo, mais aquele que eu achava interessante, pensando que com aquilo resolveria muitos problemas. Depois verifiquei que, como em tudo, bom senso é fundamental e fui vendo aquilo que ele achava mais apelativo. A preferência é, sem dúvida, meios informáticos e audiovisuais e, nestes, realiza todas as tarefas com grande competência e destreza, o que já não acontece em suporte de papel. Em complemento, tento fazer também muita actividade ao ar livre o que lhe tem proporcionado boa coordenação motora, gostando muito de fazer jogos com o bola, como seja futebol e basquet. o pai diz, inclusive, que ele tem um bom pé esquerdo! quanto ao basquet, compramos, na "Imaginarium" uma tabela, com pé, que se monta adequada à idade dele, e é com grande desenvoltura que ele bate uma bola de basquet, tb mais pequena, e encesta. Adora!
Depois, um maior acesso a informação, também nos permite questionar mais os diagnosticos e terapias que nos propõem, como já sucedeu com quase todos nós!
Boa semana para todos.
Maria Anjos
Cara Maria Viana
Se quer que lhe diga nunca tive grande orgulho em ver essas habilidades no meu filho, sobretudo quando as conjugava com o facto de ele pegar no lápis como se fosse uma enxada e de não conseguir atar os sapatos, por exemplo...
Cara Maria Anjos
Ainda sobre os «entas», saiba que o meu desejo mais secreto é ainda poder vir a ser alvo de uma tirada do tipo daquela do anúncio: «terá casado aos 15» :-) Essa é, pois, a única coisa que pode perder :-) Além disso, a esperança de vida está a aumentar e o percurso do seu filho não tem de ser necessariamente igual ao do meu.
Caro Asper,
Não pude deixar de fazer mais um comentário sobre a "faixa etária"...deve ser o meu exarcebado sentido de responsabilidade...ou de culpa(:-)!Apesar do excelente piropo da Mrs.Norris,que subscrevo, bem sabemos como os "calendários" começam a pesar!Contudo, atendendo a que a nossa esperança de vida (dos quarentões actuais!)é de mais de 90 anos,sendo aconselhados pelas revistas de especialidade a tomar "medidas financeiras" para o nosso futuro, em termos comparativos com os nossos avós...estamos no auge!É que nos anos 40/50 as tabelas de inacapacidade,por ex., davam como esperança média de vida 60 anos para os homens e 65 para as mulheres...Então, mais animados?
Cara Mariamartin
Ora bem, pelas suas contas, restam-me mais cerca de 50 anos de vida! :-) Fiquei foi sem perceber o alcance último das tais «medidas financeiras» que preconiza! Mas encaro seriamente a hipótese de comprar umas acções da Corporación Dermoestética! :-))) Quem sabe até não aparecerá uma corporación qualquer que na altura seja capaz de me «esticar» as rugas da massa cinzenta... :-))))
Será que os meninos Asperger's têm todos os pais na faixa dos "entas" ? será um problema da nossa geração ? estou a brincar...
era só para dizer que sou mais uma, somos todos das mesmas idades.
E aliás, já houve um post que referia aqueles colegas que nós tivemos e que eram diferentes, só lhes falava o rótulo, aliás o rótulo até tinham...cada um tinha seu.
Cumprimentos,
Cara Dulce
Há «entas» e «entas». Quar«enta» é igual a nov«enta» :-)
Como se vai adiando a maternidade, é natural que as idades sejam cada vez mais próximas, mas parece-me, pela amostra do PA, que há aqui de tudo…
Caro Asper,
antes de mais, obrigada pelo seu blog e pelo espaço de partilha, entreajuda e divulgação que aqui criou.
Somos pais de 2 meninos, um com quase 9 anos e outro com 5 anos e meio, e estamos grávidos de mais um bebé. O nosso filho mais velho tem SAsperger, a qual foi diagnosticada só aos 4 anos de idade, apesar de há muito tempo andarmos atrás dos médicos com perguntas sobre o estranho desenvolvimento do nosso filho. Até conseguirmos este diagnóstico, a culpa para a situação foi-nos sempre apontada a nós pais. Não foi fácil... Depois do diagnóstico, o melhor foi perceber que, mesmo sem querer, já estávamos a fazer com o nosso filho aquilo que ele precisava para se desenvolver e crescer feliz! Por isso, essa culpa nunca se-nos "pegou".
Reconheço que tem toda a razão quando fala da cada vez maior quantidade de recursos que vamos tendo ao nosso dispor para apoiar o desenvolvimento das crianças, mas também é verdade que esses recursos não substituem os pais e toda a família, os amigos, os educadores e professores, os terapeutas, os médicos e a sociedade em geral. Sem amor, paciência, dedicação, esperança, confiança e alegria não vamos a lado nenhum!
Durante os primeiros anos, passámos muito tempo a fazer material didáctico para o nosso filho e fomos os seus terapeutas. Isso desgastou-nos tanto!...
Graças a Deus, tivemos o apoio total por parte do jardim de infancia e depois da escola do 1.º ciclo: as educadoras e as professoras têm sido de uma dedicação extrema e, até, muito superior ao que lhes seria exigível. Vemos que, mais do que formação técnica, demonstram ter vocação e aptidão pessoal para lidar com meninos com dificuldades de desenvolvimento.
Temos também a sorte de ser acompanhados, desde há 4 anos, por uma técnica de educação especial e reabilitação que nos ajuda diariamente em todos os pequenos/grandes problemas e pormenores que surjam.
E o nosso filho tem a sorte de ter pais que, ainda que com muita dificuldade, vão conseguindo pagar as fortunas que custam as terapias, o material didáctico e os apoios de que ele precisa.
Somos uma família muito feliz e não vivemos a pensar que o nosso filho é diferente das outras crianças. Sentimo-nos muito reconhecidos por termos esta oportunidade de perceber o quanto e o como somos capazes de amar!
Um abraço,
Maria Ana Rolla
Cara Maria Ana Rolla,
faço minhas as suas palavras, partilho a mesma experiência, sou mãe de um rapaz com 7 anos e menina de 4, sendo o rapaz diagnostificado com traços da SA, bem tenho pesquisado tanto, tanto de como posso ajudar o meu filho, entre terapias que também não podem ser demasiadas para não cansá-lo, o nosso amor e o carinho da nossa filha pelo irmão têm sido a melhor terapia, também tivemos muita sorte com a escola apesar do princípio os professores não conheciam a SA, foram a um seminário e têm-se mostrado interessados em ajudá-lo, a professora do curricular é muito dedicada e exigente com ele. Fiz-me sócia da APSA e inscrevi a escola do meu filho no projecto gaivota, para os professores receberam formação. Bem o que não fazemos para ajudar os nossos filhos, tudo...até quase o impossível... só queremos que eles sejam felizes e no futuro se tornem autónomos...
Um abraço
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