Os relógios
O meu filho tem uma predilecção por relógios. Certamente por mimetismo. Herança da costela paterna: também gosto de relógios, sobretudo mecânicos. Porém, no caso dele, surpreendo-o frequentemente a mirar, totalmente absorto, o ritmado deslizar dos ponteiros. São pequenas fracções de tempo. Trinta segundos, um minuto, mas naqueles lapsos de tempo só existe ele e o movimento dos ponteiros. Todo o mundo à volta deixa de existir e nessas ausências vejo a Síndrome de Asperger perto, bem perto, do autismo Kanner. O fascínio dele por aquele movimento circular e compassado é absoluto.
Também vejo nisso, ainda que de forma porventura difusa, algo de mim. Nesses momentos, recordo sempre que quando casei e após as compras absolutamente indispensáveis para uma vida autónoma, a minha primeira compra supérflua, digamos assim, foi um grande relógio mecânico, de pesos, cujo tiquetaque ainda hoje me sossega. Era uma memória auditiva que guardava de casa dos meus pais. E que quis trazer para a minha. Longe estava, nessa época, de imaginar que nesse tique residia porventura a centelha que haveria de aparecer potenciada sob uma forma patológica no meu filho.
Também vejo nisso, ainda que de forma porventura difusa, algo de mim. Nesses momentos, recordo sempre que quando casei e após as compras absolutamente indispensáveis para uma vida autónoma, a minha primeira compra supérflua, digamos assim, foi um grande relógio mecânico, de pesos, cujo tiquetaque ainda hoje me sossega. Era uma memória auditiva que guardava de casa dos meus pais. E que quis trazer para a minha. Longe estava, nessa época, de imaginar que nesse tique residia porventura a centelha que haveria de aparecer potenciada sob uma forma patológica no meu filho.
Etiquetas: Características, Movimentos repetitivos
13 Comentário(s):
Aproveito para desejar os mais sinceros votos de um ano 2007 cheio de tudo o que merece e espero que tenha tido um feliz Natal em família.
É mesmo amigo Asper, eu também me revejo no meu filho em alguns momentos, tanto nos gostos comuns, como nas formas de lidar com algumas situações e sobretudo nas distrações e desinteresses. O fascínio pelos automóveis é aquele em que se verifica com mais força essa herança, o gosto por determinadas marcas, o desenho do automóvel e as corridas desportivas. Nestas férias de Natal, no centro terapêutico que ele frequenta e com a monitorização de professoras da Faculdade de Belas Artes do Porto, foi-lhe proposta a experiência de pintar qualquer tema à sua escolha utilizando tela e tintas acrílicas. O jeito que ele tem para a pintura a mim não me surpreendeu, mas deixou espantadas as monitoras que elogiaram o seu traço, lamentando sómente a utilização de um só tema, os automóveis.
Obrigado pelos seus bons votos, caro Paulo. Tudo de bom para si e para os seus no novo que se avizinha. Na verdade, é natural em todos as crianças a «cópia» de atitudes e de comportamentos dos progenitores. O problema maior é quando isso passa a barreira, por vezes ténue, da «normalidade» ou mesmo da «mania» - uso o termo no sentido comum - para a «obsessão».
Um abraço
Uma das minhas recordações de infância é a de olhar para um relógio de parede que pertence à família há algumas gerações enquanto a minha avó se certificava, antes do beijo a desejar uma boa manhã de escola, de que eu tinha bem colocada nas costas uma pequena mochila amarela. Eram sempre oito horas e o relógio assim o confirmava.
Quando me casei o meu pai ofereceu-me um relógio de parede com um mecanismo muito simples, que tem um peso. Está colocado bastante alto na parede porque a minha filhota adora o peso!, e empoleira-se sempre que nos esquecemos de o colocar mais acima! Talvez um dia repare que o relógio é mais do que o peso.... :-)
Pois é, cara (Simplesmente) Maria, as recordações de infância dão nisto! Até dão postes e comentários do PA... Quanto à sua filha, verá que rápido, rápido, ela perceberá que o relógio é mais do que o peso (estive para comprar, há uns anos atrás, uma réplica alemã do primeiro relógio mecânico produzido, com um só peso, mecanismo simples e um único ponteiro - só dava as horas).
Um bom ano
Caro Asper,
o meu relógio é de chapa e não de madeira e embora seja uma réplicca dos relógios da Floresta Negra, com mecanismo simples e um peso, tem dois ponteiros.
Desejo-lhe igualmente, e a todos os que comentam no PA, e respectivas famílias, um excelente ano de 2007.
Cara (Simplesmente) Maria
Acho que ainda podemos fazer negócio com o seu relógio ;-) Deixe-me, porém, duvidar que o seu relógio seja de chapa, talvez de latão ou outro metal, mas verá que lá deve ter tb madeira. Os relógios típicos da Floresta Negra são os cucos, de que há por cá um em casa.
Agradeço-lhe os bons votos e desejo-lhe tudo de bom para si e para os seus no novo ano.
Caro Asper, estive pensando sobre a teoria das inteligências múltiplas de Gardner e sobre as habilidades específicas dos aspergers. Então, cheguei a uma conclusão, mas não sei se possui fundamento: se uma pessoa de alta funcionaidade, portadora da síndrome de asperger, possuir inteligência lingüística, ela deverá desenvolver suas habilidades de comunicação de maneira espetacular. Provavelmente uma pessoa assim jamais seria diagnosticada...
O que você acha?
Ana
Cara Ana
Em primeiro lugar, falta-me em absoluto preparação para responder à sua questão. Tal como se refere no blogue, sou apenas «um pai interessado». E, já agora, acrescente-se, crítico. Como leigo e de modo apenas impressivo, não concordo que pelo simples facto de se possuir «inteligência linguística» ou outro qualquer dos sete tipos de inteligência identificados por Gardner, tal seja condição para que esse tipo se desenvolva de forma exponencial. Uma coisa é o potencial e outra coisa é o desenvolvimento desse potencial. Embora, tal possa de facto suceder já que os aspergers são persistentes. Quanto ao diagnóstico, isso é fluido. Há muitos aspergers não diagnosticados. E, porventura, como por aqui já se falou, muitos apontados como aspergers que não o deveriam ser.
No caso do meu filho, por exemplo, as competências linguísticas ajudaram a mascarar até aos 16 anos a Síndrome de Asperger, isto apesar de ele ter sido acompanhado por uma conhecida «sumidade» da neuropediatria...
Um abraço
Caro Asper, toda pessoa de alta funcionalidade é capaz de apresentar capacidades excepcionais. No caso de um asperger com alta funcionalidade, eu acredito que não seja diferente. A reflexão que eu queria provocar gira em torno do que observo no espelho! Eu desenvolvi certas capacidades de comunicação, que facilitaram muito o meu convívio social. Não sei se isso se deve à "inteligência lingüística", mas reconheço que algumas das minhas habilidades parecem pertencer a outra pessoa, pois quando me vejo pareço ser uma coisa; quando escrevo, sou completamente diferente.Você já leu algum livro de Oliver Sacks?
Ana
Cara Ana
Concordo com o que diz sobre o desenvolvimento das competências linguísticas em aspergers e não-aspergers e creio que o que me está a querer dizer é que v. «treinou» e «aprendeu», recorrendo à «inteligência linguística», determinadas atitudes e comportamentos mas que depois não se revê neles.
Na verdade, escreve muito bem, pelo que as suas competências linguísticas estão plenamente desenvolvidas :-)
Do Oliver Sacks, já li «O homem que confundiu a mulher com um chapéu», tenho por cá mas não li «Despertares», e conheço alguns outros de nome.
Um bom ano para si
O génio é composto por 2% de talento e de 98% de perseverante aplicação
(Ludwing Van Beethoven)
Feliz Ano Novo
Obrigado, o mesmo para si e para todos nós.
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