A importância do detalhe
É por vezes impressionante a atenção ao detalhe revelada pelo meu filho. Este preciosismo no detalhe é tanto mais impressionante quanto vale por si só. Ou seja, não reflecte uma atitude de perfeccionismo ou de organização subjacentes. O que importa é só mesmo o detalhe de algo que ele sempre conheceu assim e que estranha que apareça de outra maneira. As coisas são sempre e só aquilo que devem ser. E nunca o que são, atentas as circunstâncias concretas em que existem.
A secretária e as gavetas dele são verdadeiros amontoados informes onde não existe qualquer ordem global, quando muito podem existir pequenas «ilhas» de ordem. Por norma, também, aquilo é um alfobre onde se pode encontrar de tudo. Literalmente. Outra característica é não haver qualquer selecção. Aquilo é sedimentar. Acumula-se por si, sem qualquer intervenção ordenadora. A incapacidade de avaliar e seleccionar o que é útil e necessário e o que inútil e desnecessário, e até o que é lixo, é intrínseca. Se não tivéssemos algum controle, ele conservava tudo e vivia atolado em utilidades e inutilidades. Creio mesmo que nunca o vi, de motu proprio, deitar fora o que quer que fosse. Este é o quadro.
O curioso aqui é que este quadro de desorganização e de acumulação se conjuga com uma atenção ao detalhe mais ínfimo.
Assim, em todo o resto da casa, qualquer objecto que esteja ligeiramente fora da ordem em que é suposto estar é de imediato notado e amiúde corrigido.
É comum no dia em que muda a hora, ele acertar todos os relógios, por exemplo. E quando não sabe acertar algum deles, martelar-me à exaustão a cabeça até eu o fazer. O relógio do fogão é o último bastião. Ele não o sabe acertar e vejo que lhe custa que o mesmo não esteja certo.
Há uns meses, ofereceram-nos um objecto de porcelana. Eu próprio o coloquei num pequeno móvel existente numa área de passagem. Acontece que, por razões de espaço no móvel e para evitar que o mesmo se partisse quando passássemos, o coloquei numa posição contrária ao que seria adequado.
Estive fora e quando cheguei, a minha mulher contou-me que, ao passar, ia partindo o dito objecto, porque ele foi por trás e alterou-lhe a disposição para a que seria expectável para aquele objecto.
O problemático aqui não é, claro está, o episódio. É o valor absoluto daquele critério e o facto de nunca se conjugar com outros. Creio até que ele talvez tenha percebido e considerado o critério «espaço disponível no móvel», «movimento de pessoas e risco de quebra», mas na atitude que tomou prevalece o critério «posição correcta», que para ele é sempre o melhor, e para nós, naquele contexto, foi o sacrificado…
Para perceber as dificuldades da SA, é só extrapolar deste pequeno episódio para a vida…
P.S. - Junte-se à Comunidade Virtual Planeta Asperger: no Userplane Webchat, no MSN Messenger ou no IRC.
A secretária e as gavetas dele são verdadeiros amontoados informes onde não existe qualquer ordem global, quando muito podem existir pequenas «ilhas» de ordem. Por norma, também, aquilo é um alfobre onde se pode encontrar de tudo. Literalmente. Outra característica é não haver qualquer selecção. Aquilo é sedimentar. Acumula-se por si, sem qualquer intervenção ordenadora. A incapacidade de avaliar e seleccionar o que é útil e necessário e o que inútil e desnecessário, e até o que é lixo, é intrínseca. Se não tivéssemos algum controle, ele conservava tudo e vivia atolado em utilidades e inutilidades. Creio mesmo que nunca o vi, de motu proprio, deitar fora o que quer que fosse. Este é o quadro.
O curioso aqui é que este quadro de desorganização e de acumulação se conjuga com uma atenção ao detalhe mais ínfimo.
Assim, em todo o resto da casa, qualquer objecto que esteja ligeiramente fora da ordem em que é suposto estar é de imediato notado e amiúde corrigido.
É comum no dia em que muda a hora, ele acertar todos os relógios, por exemplo. E quando não sabe acertar algum deles, martelar-me à exaustão a cabeça até eu o fazer. O relógio do fogão é o último bastião. Ele não o sabe acertar e vejo que lhe custa que o mesmo não esteja certo.
Há uns meses, ofereceram-nos um objecto de porcelana. Eu próprio o coloquei num pequeno móvel existente numa área de passagem. Acontece que, por razões de espaço no móvel e para evitar que o mesmo se partisse quando passássemos, o coloquei numa posição contrária ao que seria adequado.
Estive fora e quando cheguei, a minha mulher contou-me que, ao passar, ia partindo o dito objecto, porque ele foi por trás e alterou-lhe a disposição para a que seria expectável para aquele objecto.
O problemático aqui não é, claro está, o episódio. É o valor absoluto daquele critério e o facto de nunca se conjugar com outros. Creio até que ele talvez tenha percebido e considerado o critério «espaço disponível no móvel», «movimento de pessoas e risco de quebra», mas na atitude que tomou prevalece o critério «posição correcta», que para ele é sempre o melhor, e para nós, naquele contexto, foi o sacrificado…
Para perceber as dificuldades da SA, é só extrapolar deste pequeno episódio para a vida…
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19 Comentário(s):
Este comentário foi removido pelo autor.
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Viva caro asper,
Interessante tema. A questão é não saberem lidar com a angústia e a frustração que um determinado detalhe pode provocar. O meu filho tem dezenas de carrinhos e animaizinhos. Mas hoje de manhã encontrei-o, já bastante enervado, quase à beira da explosão, à procura do carrinho X e do animalzinho Y, pois pretendia levá-los na mão durante o passeio com o pai. Quando isto acontece eu tenho mesmo de ajudá-lo a encontrar os objectos caso contrário já pode imaginar, temos birra pela certa. Além de ser de ideias fixas (nenhum outro brinquedo substitui o desejado), é incapaz de controlar a frustração e eu noto que ele se sente mal por isso. Muitas vezes quando se acalma diz-me “mamã, já me sinto muito melhor”. Infelizmente este handicap ainda é bastante notório no meu filho.
Mas há tanta gente dita normal a dar importância a coisas menores. Eu própria fico incomodada se por acaso alguma das portas do guarda-fatos estiver aberta. Também não consigo conviver com tapetes com dobras, peças ao centro, sapatos guardados trocados ou loiça suja no lavatório. No meu quarto há um cabide que tem de estar devidamente “vestido” com a fatiota para o dia seguinte, incluindo todos os acessórios. Pode parecer estranho mas é para mim difícil adormecer se algum destes detalhes não estiver em ordem (lol). Também costumo acertar logo todos os relógios, por vezes até de véspera. A diferença é que a vida já me ensinou a dissimular a frustração.
Um abraço e uma excelente Páscoa para si e para os seus.
PS: O pequeno erro que tem no título do post anterior já me "incomoda" há algum tempo :). Não se zangue comigo!
Caríssima Mrs Noris
Antes de mais congratulo-me com o seu novo «look» que aparece nos comentários... Uma espécie de Beatriz Costa dos tempos modernos... ;-)
Sobre o tema do «post», o que lhe posso dizer. Talvez o que agora se diz das «grandes penalidades» no futebol: é uma questão de intensidade... Eu também sou bem capaz de encontrar em mim coisas semelhantes às do meu filho ou às do seu, mas isso não me limita minimamente. É essa a diferença. E, valha-me Deus, tem toda a razão no que diz sobre o lapso no «post» anterior. Vou já corrigir. E nunca me zango quando me apontam erros. Só lhe posso é ficar grato. Costumo até dizer aos meus amigos - e acredito piamente nisto - que cresço com as críticas e amoleço com os elogios.
Excelente Páscoa para si e para o seu rapaz. Abç
Olá caro Asper
Estou mesmo a ver a foto do quarto do seu rapaz é igual há do meu, amontoados de papel, das mais variadas matérias,(desde o social,desportivo,geografico,horários até o banal folheto de supermercado se inclui na lista infindável de papel )...
Uma curiosidade ,a qualquer local que vá e haja um papel seja ele qual for ele trás, para casa,noutro dia numa estação de comboio trouxe todas as brochuras que lá havia,p'ra aí umas 20.
Mas o que ocupa o espaço preveligiado, é qualquer revista onde estejam miúdas,(tem bom gosto o meu rapaz (lol)).
E lá está tudo caoticamente espalhado,numa organização desorganizada, onde só ele sabe, onde está o quê...
Sempre que altero a posição daquele entulho, ouço raspanete,porquê arrumas o meu quarto, volta tudo á estaca 0.
Agora optei o sistema de ser ele a selecionar o que posso deitar fora.Já percebi +ou- o esquema é por ordem datas .
Mas fundamentalmente a preocupação manifesta-se mais com a alterações na sua gaurita.
Parece-me que o espaço fisico, está organizado da mesma forma que o cerebral, imenso conteúdo,mas com imensa dificuldade em o utilizar.(mas isso dará outro tema)
Um abraço
E uma Santa Pascoa
Olá Mina
É exactamente como diz. Eu optei por, colocando o meu melhor ar de polícia de giro, fazer umas surtidas saneadoras. Explicando o porquê da selecção. Nessas vezes, ele, quando bem convencido, até ajuda. Respeito, é claro, o material do Sporting e, pois com certeza, o das miúdas... :-)
Boa Páscoa e volte sempre
Caros amigos,
A descrição do post e o comentário da Mina poderiam ter sido obra minha, sem tirar nem pôr!No quarto do meu filho mistura-se uma roda de um carro com os últimos tazos adquiridos,o estojo de desenho, uma peúga suja,um papel de chocolate,o telemóvel,a carteira,and so on...Também trás todas as brochuras de todos os locais,que vê na diagonal e depois guarda tão religiosamente como qualquer outro objecto no seu monte de lixo!Normalmente actuo como o Sargento da casa (é essa a minha alcunha caseira!)e junto com ele faço "raids" de limpeza.Ele já fica assustado quando eu digo "ora vamos lá dar uma ordem nisto".O apelo irresistível dos pormenores é idêntico ao dos vossos...e é mais uma manifestação da incoerência que os impede de evoluir para a autonomia.Às vezes é útil pois é o único da casa que sabe onde está qualquer objecto!Mas na maioria do tempo, é irritante...
Feliz Páscoa para todos e cuidado com as guloseimas! Lol
Cara Mariamartin
Todas as semanas, levo civicamente para o papelão toda a sorte de jornais diários que se foram acumulando no quarto dele. Se a minha intervenção não existisse, esta casa era uma espécie de sucursal da hemeroteca...
:-)
Boa Páscoa também
Caríssimo Asper,
Fico lisonjeada com a comparação à grande embaixadora do povo saloio (lol).
Ainda sobre o post, e falando do caso paticular do meu filho, é certo que ele pode dar atenção a um pequeno detalhe que a todos nós escapa. Mas também percebe tudo o que de banal se passa à sua volta, nomeadamente as conversas. Embora pareça distraido, ele está atento. Às vezes passam-se dias, até que de repente se sai com uma e percebemos logo que não perdeu nada da conversa. Outra coisa que ele sente é o meu estado de espírito. Já me disse coisas do tipo: “Mamã ri!” enquanto as suas mãozinhas me forçavam um sorriso no rosto. Ele tem sentimentos e percebe os sentimentos dos outros.
A questão do lixo acumulado no quarto é preocupante. Tenho no quarto do meu filho um quadro mensal onde vamos registando com bola verde ou bola vermelha o seu comportamento diário em vários itens (portar-se bem com a mãe, portar-se bem na escola, não fazer xixi na cama, arrumar os brinquedos antes de se deitar, etc.). Como detesta ter bola vermelha lá vai colaborado. Enquanto é pequeno a coisa vai resultando, mas não sei o que me espera no futuro.
Quanto à correcção do lapso, e como diria o meu filho, já me sinto muito melhor (lol). Obrigada.
Um grande abraço.
Caro Asper,
Regressada de umas mini-férias e com acesso à net menos restrito, não pude deixar de vir comentar o seu post uma vez que nele revi muitos dos meus momentos diários.
Na verdade, a paixão do meu filho pelos detalhes é notória! Para ele é mais importante ver se os atacadores estão do mesmo comprimento do que despachar-se a apertá-los; é mais importante saber que o livro mais grosso da estante do corredor é verde e chama-se (...) do que saber de que trata, para que serve. E é nesses pormenores que ele “encalha”, é isso que o impede de ser produtivo. Contudo, tal característica é por vezes útil...se o mandarmos lavar qualquer objecto, por exemplo, é certo que ficará imaculado! Só que quando é dia de ser ele a lavar a loiça, ficam sempre algumas peças por lavar... Penso que é essa incapacidade de distinguir o essencial do supérfluo que os atrapalha e os impede de vir a ter uma profissão...Ele consegue realizar tarefas muito bem, desde que alguém junto dele esteja permanentemente a comandá-lo.
Penso também que esta capacidade de se focarem nos detalhes tem a ver com o modo como vêem o mundo à sua volta: um conjunto de imagens, “organizadas” sem qualquer critério e por isso sem compreenderem a dinâmica. Uma vez pedi ao meu filho que descrevesse todos os objectos do seu quarto...só conseguiu dizer metade. No entanto, sabe ao pormenor alguns, não consegue é ter uma visão global. Também já notei que as memórias que ele tem de passeios ou visitas a locais são “fotográficas”. Não se lembra de ter ido, nem com quem, mas lembra-se de ter visto determinado objecto ou cena.
Para terminar mais um extenso comentário (:-(!) gostaria de saber se o Asper ou algum outro tertuliano vai à conferência do Tony Attwwod anunciada no site da APSA. Estou a pensar ir...ver se aprendo mais qualquer coisa...
Abraços a todos!
Cara Mariamartin
Subscrevo na íntegra o seu comentário, quer quanto à análise, quer quanto à síntese. Parece-me até - confesso-lhe - pela lucidez e objectividade que demonstra que já lida com o problema há muito tempo.
Não vou à conferência do Tony Attwood. Já conheço as ideias e a obra dele. Além de que profissionalmente me falta em absoluto tempo para tal.
Um abraço
OLÁ a todos,
O meu filho realmente dá importância aos detalhes mas realmente concordo com mrs noris, nós também? como se diz aqui na minha terra "cada macaco com sua mania" já estou habituada com as particularidades dele que até já acho tudo muito normal e nem imagino o meu filho doutra forma, mas quanto à frustração acho que como está mais maduro já está quase com 8 anos, aprendeu a controlar-se melhor e está mais calmo as vezes até "calmo demais", a pior fase do meu filho nas birras foram entre os 3 e os 6 anos depois melhorou um pouco gradualmente. Quanto a desarrumação no quarto é só com os brinquedos que nunca sabe arruma-los, quando peço para arrumar o quarto tenho de estar lá para dizer onde deve ficar mais ou menos cada um deles se arruma sozinho faz uma grande torre de brinquedos todos em cima da secretária. O maior problema do meu filho é distrair-se e se está a fazer os trabalhos da escola demora imenso tempo, distrai-se com tudo, com uma conversa, brinquedo, lápis, mosca etc, etc... os testes do meu filho no verso da folha esão sempre incompletos e como nunca os acaba não consegue ter melhor nota do que um satisfaz ou satisfaz pouco.
Um bem haja a todos
mãe de K
olá outra vez,
faço minhas as palavras da Maria Martin, o meu filho na escola perde-se facilmente no que está a fazer e a professora tem de estar constantemente a relembrar, ele tem de ter sempre alguém a comandá-lo, nos testes ou até mesmo nas aulas normais muitas das vezes a professora de ensino especial tem de lá estar com ele.
Em relação ao meu filho um dia vir ter uma profissão, bem eu tenho os pés bem assentes na terra, sei das dificuldades que o meu filho possa vir a ter, mas eu tenho um pensamento muito positivo em relação ao meu filho, acho sempre que ele vai conseguir, não sei se é porque eu digo-lhe sempre isto "vais conseguir, nunca desistas" que eu também penso assim!
realmente gostaria de saber se alguém que tem um filho já adulto se conseguiu alguma profissão e qual e se consegue fazer as suas tarefas bem? (é só uma curiosidade e também para estar um pouco preparada para...)
mãe de K
Boa Tarde,
Acho que esse tema poderá ser um dos discutidos na Conferência do Professor Tony Attwood,peço desculpa estar a comentar uma assunto que não tem a ver com esta mensagem mas poderão tirar uma dúvida sou de fora de Lisboa e vou à conferência e ainda não percebi se o Forum telecom e o Forum Picoas.
Obrigado
Caro Anónimo,
O Forum Telecom é mesmo o Forum Picoas...neste país gostam muito de mudar o nome às coisas!
Tb irei à conferência, por isso, se quiser identificar-se e trocarmos lá algumas impressões, deixe no e-mail/contacto deste blog o seu e-mail que o Asper fará, concerteza, o favor de me o transmitir.
Um abraço.
mariamartin
Bom dia a Todos,
Após uns tempos de ausencia resolvi fazer-vos uma visita.
Também vou à Conferência
Patricia
boa noite!!
...estava vasculhando meu pc quando encontrei esse blog. meu filho tem 15 anos é aspenger e hiperativo.
um menino adorável, que fala sem parar, e ainda gosta de coisas infantis...
confesso que no momento minhas lágrimas estão pingando em cima do teclado... tenho medo que a imcompreensão do mundo o façam sofrer.
desculpem por não conseguir colocar aqui minha opinião sobre o tema em questão, mas confesso que consigo agora dar um leve sorriso... porque sei que poderei contar com a compreensão e ajuda de amigos para entender melhor essa situação.
obrigada!
Cara Anónima
É bem-vinda sempre que quiser aparecer por aqui, seja para dar a sua opinião ou simplesmente para desabafar.
Um abraço e felicidades
Olá,
Sou brasileira e muito interessada por este assunto, pois acho que conheci um aspie, mas ainda falta muita informação. As características são muito parecidas. Bem, obrigada. Um aspie consegue conviver casado?
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