«Não estamos sós». Um espaço de reflexão sobre a diferença.
domingo, agosto 27, 2006
Férias e limitações sociais das família com SA...
Temos, enquanto família e à medida que a idade do meu filho avança, vindo progressivamente a estreitar e a limitar a nossa vida social. Essa tem sido uma realidade inultrapassável, que se tem agravado ao longo dos anos e que se irá extremar cada vez mais. Estou infelizmente certo disso. As férias são igualmente muito controladas em termos de opções e tudo é escolhido em favor de ambientes com limitada interacção social. Talvez devesse ser ao contrário mas não é. Nem poderá vir a ser. Eu não vou poder mudar o mundo e o nosso mundo não é o mundo dos asperger. É o mundo dos outros onde estão os asperger. E cansa-me! Cansa-me extraordinariamente a constante pontuação social da situação. Em certa medida – acreditem – sinto que tudo seria mais fácil se o meu filho tivesse, por exemplo, Síndrome de Down. Estava tudo na cara. Não me livrava dos olhares de comiseração dos outros mas contava com a sua natural tolerância para comportamentos e atitudes. Assim, continuo a não me livrar dos olhares e não conto com qualquer tolerância. Talvez um distintivo com um «eu sou autista, seja tolerante» ou qualquer coisa de semelhante pudesse resolver as coisas... Agora mais a sério – se é que esta hipótese não é a sério -, tenho de equacionar, muito sinceramente, a institucionalização futura do meu filho em parte das nossas férias. Sob pena de não termos férias. Pode parecer-vos eventualmente uma atitude merecedora de alguma sanção moral. Para já isso ficou adiado por mais um ano. Mas é isso que penso que vou ter de fazer um dia. Não sei ainda se conseguirei livrar-me das sanções do meu superego mas esse é um preço que vou ter de pagar. O problema das severas limitações sociais a que estão sujeitas as famílias com casos de Síndrome de Asperger é outro problema e decerto que não dos menores. E vejo-o pouco falado e pouco discutido na literatura da especialidade...
Um dos temas centrais de conversa do meu filho com Síndrome de Asperger (SA) e neste momento com 19 anos é o futebol e concretamente o clube da sua predilecção. Duvido que muito daquele gosto se deva a uma apreciação da beleza do jogo e dos seus lances. Parece-me sobretudo uma fixação pelos factos relativos ao jogo. Qualquer adepto de futebol acumula factos sobre o jogo mas em princípio são factos significativos e não factos acessórios. Serão os nomes das equipas, os nomes dos jogadores, as posições dos jogadores, as designações dos estádios. Concedo até que sejam os patrocinadores das equipas por hábito ou utilitarismo. Descobri estas férias que, além disto, o meu filho conhece também as marcas dos equipamentos das equipas da Superliga que a mim que gosto de futebol me passam complemente despercebidos. Isto porque lhe pedi para me trazer uns chinelos de praia que tenho da marca Kappa. Ao que ele me disse: «Ah, esta é a marca do equipamento do Vitória de Guimarães». Fiquei estupefacto! Sempre céptico, fui confirmar e assim era... Se lhe pedir uma apreciação sobre os chinelos, a sua beleza, o contraste das cores, o design, enfim, o que for, duvido que ele me diga muito mais do que um lacónico: «são bonitos» ou «não gosto»... Aqueles chinelos não têm para ele qualquer valor intrínseco. Eles valem apenas e só porque são da Kappa e a Kappa é a marca de um equipamento de um clube desportivo. Ou seja, o que interessa naqueles chinelos é a ligação que estabelecem com um dos seus temas de eleição... E assim todos os objectos com que o meu filho se cruza no seu dia-a-dia são sobretudo valorados pela ligação que estabelecem com aquele ou outro tema da sua predilecção... O tema forte ou os temas fortes são assim para os portadores de SA o princípio e o fim das coisas e tudo o resto gira em torno dele ou deles...