Os relógios
O meu filho tem uma predilecção por relógios. Certamente por mimetismo. Herança da costela paterna: também gosto de relógios, sobretudo mecânicos. Porém, no caso dele, surpreendo-o frequentemente a mirar, totalmente absorto, o ritmado deslizar dos ponteiros. São pequenas fracções de tempo. Trinta segundos, um minuto, mas naqueles lapsos de tempo só existe ele e o movimento dos ponteiros. Todo o mundo à volta deixa de existir e nessas ausências vejo a Síndrome de Asperger perto, bem perto, do autismo Kanner. O fascínio dele por aquele movimento circular e compassado é absoluto.Também vejo nisso, ainda que de forma porventura difusa, algo de mim. Nesses momentos, recordo sempre que quando casei e após as compras absolutamente indispensáveis para uma vida autónoma, a minha primeira compra supérflua, digamos assim, foi um grande relógio mecânico, de pesos, cujo tiquetaque ainda hoje me sossega. Era uma memória auditiva que guardava de casa dos meus pais. E que quis trazer para a minha. Longe estava, nessa época, de imaginar que nesse tique residia porventura a centelha que haveria de aparecer potenciada sob uma forma patológica no meu filho.
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