Einstein, Mr. Bean & Professor Tornesol
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«Não estamos sós». Um espaço de reflexão sobre a diferença.
Vou-me dando conta constantemente dos pequenos nada, dos pequenos tudo, que vão povoando o quotidiano de quem vive com alguém com Síndrome de Asperger, nas suas peculiaridades comportamentais, estranhas para nós. Muitas delas sempre as vi, anotei mentalmente, mas verdadeiramente nunca as interiorizei. Elas eram apenas dados sem ligação entre si que eu amontoava, sem nelas ver qualquer conexão. Porém - desde há dois anos – vou-as juntando num puzzle coerente. E desde há um mês «atiro-as» para aqui, não as calando para mim. Na esperança de que elas ajudem alguém a não se sentir tão só com este problema, na esperança de que elas também me ajudem a lidar com ele… Embora não creia que estes textos tenham esse poder.
Soubemos ontem, na Assembleia Geral da APSA, que elegeu os novos corpos sociais para 2006 e 2007, que a sua Delegação do Norte – encontra-se em constituição também a Delegação do Nordeste e Alto Douro – está a organizar um Congresso Internacional sobre Asperger, que irá decorrer, previsivelmente no final deste ano, na cidade do Porto.
No workshop de ontem, Será Asperger… O que fazer?, Carla Almeida e Inês Leitão sublinharam a necessidade de efectuar um diagnóstico o mais precocemente possível, de modo a traçar uma estratégia de intervenção que permita um desenvolvimento adequado da criança com Síndrome de Asperger (SA). E abordaram a grande dificuldade em efectuar um diagnóstico seguro de SA antes dos 3 anos, ou seja, antes da entrada para – digamos assim – o ensino pré-escolar. Isso obrigou-me a recuar até aos três primeiros anos da vida do meu filho. E a «vasculhar» nas minhas memórias sobre se havia algo, nessa idade, que eu pudesse identificar - estando naturalmente alertado para tal - como sintoma do quadro clínico que depois se viria a configurar. E a resposta é afirmativa. Em dois aspectos: no «olhar» e no «contacto físico». No olhar, porque – mesmo nesses primeiros tempos – sempre achei o olhar do meu filho bebé invulgarmente atento e com uma fixidez diferente. Aquele olhar era diferente dos olhares dos outros bebés. Tenho-o bem presente e vivo na memória. Sentia-lhe a diferença. E vislumbro-o nalgumas fotografias da época. No contacto físico, porque era um contacto desajustado, onde não havia – digamos assim – «diálogo corporal». Por norma, os bebés anicham-se, aconchegam-se no colo dos adultos, moldam-se às suas formas, adaptam-se. Ora isso nunca aconteceu com o meu filho. Houve sempre uma forma de estar no colo hirta, rígida, diferente. Lembro-me de numa ocasião lhe pegar ao colo enquanto dormia. Tendo sido de imediato repreendido pela minha mulher que me disse qualquer coisa do tipo: «Parece que só te apetece pegar-lhe ao colo enquanto está dormir!». O que era, porventura, verdade! E percebo agora o porquê. É que só nesse estado me era «confortável» tê-lo no colo, só nesse estado estabelecíamos um diálogo também através do corpo…

Vai estrear, a 23 de Maio próximo, em Portugal,o filme Loucos de Amor, cujo título original é Mozart & the Whale, uma comédia romântica dramática – é essa a classificação «oficial»?! – realizada por Peter Naesse, com base numa história de Ronald Bass – autor de Rain Man e O Casamento do meu melhor amigo. Donald Morton (Josh Hartnett) é um jovem taxista que sofre de Síndrome de Asperger e que tem uma fixação por números e padrões, o que o leva, por exemplo, a definir com exactidão a sua rota e a dos outros táxis. Paralelamente, Donald é responsável por um grupo que reúne pessoas portadoras de distúrbios semelhantes ao seu, onde conhece Isabelle Sorenson (Radha Mitchell), criando-se uma certa empatia entre ambos, ao descobrirem muitos aspectos comuns, tais como entender boa parte do que os outros dizem de forma literal (os flashbacks à infância ilustram essa dificuldade). Ambos representam dois tipos diferentes de Asperger – o que é interessante – Donald é introspectivo e nunca sabe como agir e o que dizer em contexto social, suprindo isso com uma dedicação obsessiva aos seus pássaros. Ao contrário, Isabelle verbaliza tudo o que pensa, descrevendo-se mesmo como arrogante, temperamental e sendo muitas vezes vista como excêntrica.
Depois de uma experiência meteórica frustrada – durou 3 dias – numa instituição essencialmente vocacionada para a deficiência física, o meu filho entrou numa estrutura vocacionada para o apoio à deficiência mental… Não é o ideal, longe disso… mas é melhor do que «estar em casa»… A única alternativa viável para uma família nuclear muito restrita e sem apoios… Assim é a vida de uma família com um caso de Síndrome de Asperger numa grande cidade…